Introdução: a infecção pelo Vírus Linfotrópico de Células T Humanas tipo I (HTLV-I)
Este texto foi escrito por médico infectologista sob a ótica da Infectologia a partir dos aspectos nos quais a especialidade é mais fortemente envolvida no atendimento de pessoas com infecção pelo HTLV-I. Exemplos destes aspectos são os esclarecimentos gerais ao paciente e aos seus familiares sobre a infecção e a assistência de pessoas com infecção por HTLV propriamente dita, assintomática ou sintomática. A Infectologia contribui sobremaneira nas questões de diagnóstico clínico e laboratorial, formas de transmissão e de prevenção, informações sobre os aspectos microbiológicos. Quando há recomendação do uso de medicamentos antirretrovirais, convém que o infectologista participe do atendimento.
Quando existem sintomas, ou seja, quando há doença manifesta, outras Especialidades Médicas são necessárias como Hematologia, Neurologia, Urologia, Medicina Interna (Clínico Geral) ou Fisiatria dentre outras. Eventualmente outras áreas da saúde como Enfermagem, Fisioterapia, Nutrição podem ser também importantes no atendimento dos pacientes. Quando a infecção está associada a leucemia, o papel do Médico Hematologista é fundamental e na maioria das vezes suficiente, sem necessidade de comanejo com infectologista.
Etiologia (a causa, o vírus, a microbiologia): o HTLV-I
Os Vírus Linfotrópico de Células T Humanas tipos I e II (HTLV I e II) são retrovírus humanos tipo C. Pertence à família Orthoretrovirinnae e ao gênero Deltaretrovirus. O vírus, isolado em 1980 de um paciente com linfoma cutâneo de células T, foi inicialmente associado com a leucemia de células T do adulto (ATL) no Japão, em 1977, sendo depois detectado em diversas partes do mundo.

Epidemiologia
HTLV-I
O HTLV-I é endêmico no Caribe, no sul do Japão, em partes da África e na América do Sul onde as taxas de prevalência são um pouco mais baixas. Em Salvador, Bahia, um dos raros estudos conduzidos em amostra de base primária, a soroprevalência para HTLV-I alcançou 1,8%, sendo mais elevada em mulheres (2%) quando comparada àquela entre indivíduos do sexo masculino (1,2%). No Rio de Janeiro, em São Paulo e em Minas Gerais, a prevalência é de 0,3-0,33%; no Paraná e no Rio Grande do Sul, é de 0,08%.
O vírus pode ser transmitido por transmissão vertical (de mãe para filho), amamentação, produtos sanguíneos, dispositivos compartilhados por usuários de drogas ilícitas injetáveis (agulhas) ou por contato sexual.
A maioria das infecções por HTLV-I são assintomáticas na população geral. E quando há a co-infecção HIV—HTLV-I, não se sabe se existe maior probabilidade de desenvolvimento de doença. Quando o HLTV-I causa doença, pode causar Leucemia de Células T do Adulto (ATL) ou Mielopatia Associada ao HTLV-I/Paraparesia Espástica Tropical (HAM/TSP).
As células CD4 (Linfócitos TCD4+) são o principal alvo de infecção do HTLV-I. Células CD4 infectadas pelo HTLV-I são encontradas no Líquido Cefalorraquidiano (LCR) de pacientes com HAM/TSP. Na ATL, há circulação de células transformadas monoclonais portando provírus HTLV-I.
HTLV-II
O HTLV-II é endêmico entre Usuários de Drogas Injetáveis (UDI), com soroprevalência aproximadamente de 20%. Não está demonstrado definitivamente que o HTLV-II cause doença humana, mas alguns relatos sugerem que pode causar síndrome semelhante à HAM/TSP. O efeito do HTLV-I/II na progressão do HIV é controverso, com diferentes estudos chegando a conclusões opostas.
PARTE 1
Infecção Assintomática
A grande maioria das pessoas não sente absolutamente nada, não tem nenhum sintoma. Em outras palavras, o quadro clínico mais freqüente é a ausência de sintomas e a sensação de saúde. Essa condição é denominada infecção assintomática.
Diagnóstico Laboratorial
O diagnóstico laboratorial é feito por ELISA para HTLV-I ou HTLV-II, que tem maior sensibilidade que Western blot e que PCR.
Quadro Clínico
A soroprevalência para HTLV aqui no Rio Grande do Sul (RS) é de 0,08%. E a maioria das pessoas com HTLV-1 são assintomáticas. Para expressar simbolicamente aos leitores essa grande maioria de pessoas que não tem e que nunca terão sintomas, é apresentada a figura abaixo, com uma mulher que está em boa forma, com aspecto saudável, mesmo que possa estar apresentado o teste anti-HTLV-I/II reagente independentemente se em mulher ou em homem.

Tratamento
Não há evidência de benefício de terapia antiviral. E, de qualquer modo, estando o genoma do HTLV integrado ao DNA do hospedeiro, fica improvável a erradicação do vírus no nosso organismo.
Acompanhamento
Para fins de praticidade, visando, no momento, mais pacientes que profissionais da saúde, este tópico é abordado por perguntas e respostas.
Com que frequência devem ser feitas as avaliações clínicas em pacientes assintomáticos com HTLV-1?
Para pacientes assintomáticos com infecção pelo HTLV-1, a frequência das avaliações clínicas deve ser individualizada com base em fatores de risco específicos, como a carga proviral e os níveis de anticorpos. A literatura médica sugere que a carga proviral elevada está associada a um risco aumentado de progressão para doenças relacionadas ao HTLV-1, como a leucemia/linfoma de células T do adulto e a mielopatia associada ao HTLV-1/paraparesia espástica tropical (HAM/TSP).
De acordo com as evidências disponíveis, pacientes assintomáticos com carga proviral superior a 10% devem ser submetidos a monitoramento clínico e laboratorial mais frequente. Isso pode incluir avaliações semestrais ou anuais, dependendo da estabilidade da carga proviral e da presença de outros fatores de risco. Além disso, mudanças significativas na carga proviral, que excedam uma variação de 100% no coeficiente de variação, podem indicar a necessidade de uma investigação mais detalhada.
Portanto, o monitoramento deve ser adaptado às características individuais de cada paciente, com avaliações regulares da carga proviral e dos níveis de anticorpos, além de exames clínicos periódicos para detectar precocemente qualquer sinal de progressão para doenças associadas ao HTLV-1.
Qual seguimento é recomendado para pacientes com infecção assintomática por HTLV-1, com anticorpos reagentes e com PCR reagente?
O acompanhamento de pacientes assintomáticos com infecção pelo Vírus Linfotrópico de Células T Humano Tipo 1 (HTLV-1), com anticorpos reagentes e reação em cadeia da polimerase (PCR) reativa, deve ser baseado em uma avaliação cuidadosa do risco de progressão para doenças associadas ao HTLV-1, como a leucemia/linfoma de células T do adulto (ATL) e a mielopatia associada ao HTLV-1/paraparesia espástica tropical (HAM/TSP).
A literatura médica sugere que a carga proviral e os títulos de anticorpos podem ser úteis como marcadores preditivos de doença entre portadores assintomáticos. Pacientes com carga proviral elevada podem ter um risco aumentado de progressão para condições clínicas associadas ao HTLV-1. Além disso, fatores genéticos, como o polimorfismo +874A/T, podem influenciar a resposta inflamatória e o prognóstico em indivíduos assintomáticos, sugerindo que esses pacientes devem ser monitorados mais de perto para detectar precocemente o aumento dos sintomas clínicos.
Portanto, o acompanhamento deve incluir monitoramento regular da carga proviral e dos títulos de anticorpos, além de uma avaliação clínica periódica para identificar sinais precoces de doenças associadas ao HTLV-1. A frequência e a intensidade do acompanhamento podem variar dependendo dos fatores de risco individuais, como a carga proviral e a presença de polimorfismos genéticos específicos.
Como deve ser monitorada a carga viral em pacientes com infecção assintomática?
O monitoramento da carga proviral em pacientes assintomáticos com infecção pelo HTLV-1 é uma prática importante para avaliar o risco de progressão para doenças associadas, como a leucemia/linfoma de células T do adulto (ATL) e a mielopatia associada ao HTLV-1/paraparesia espástica tropical (HAM/TSP). A literatura médica sugere que a carga proviral elevada está associada a um risco aumentado de desenvolvimento dessas condições.
A quantificação da carga proviral deve ser realizada periodicamente, utilizando técnicas de PCR em tempo real, que permitem uma medição precisa e sensível da carga proviral no sangue periférico. Estudos indicam que uma carga proviral acima de certos limiares pode ser um marcador de risco para o desenvolvimento de doenças, como demonstrado em análises de curvas ROC que estabelecem pontos de corte para identificar indivíduos em risco.
Além disso, a avaliação dos níveis de anticorpos contra o HTLV-1 pode complementar a análise da carga proviral, fornecendo informações adicionais sobre o status imunológico do paciente e o risco de progressão da doença.[5] A combinação desses marcadores pode ajudar a identificar portadores assintomáticos que necessitam de um acompanhamento mais rigoroso.
Portanto, o monitoramento regular da carga proviral e dos níveis de anticorpos, juntamente com avaliações clínicas periódicas, é recomendado para detectar precocemente sinais de doenças associadas ao HTLV-1 em portadores assintomáticos.
Para casais que estão juntos há anos mantendo relações entre os dois somente sem preservativo, e sem haver relações extraconjugais, fica recomendado uso de preservativo de látex?
Para casais em que um dos parceiros tem uma carga viral detectável de HTLV-1, o uso de preservativos de látex é recomendado para prevenir a transmissão sexual do vírus. A literatura médica destaca que o HTLV-1 é transmitido principalmente por via sexual, e a carga proviral elevada está associada a um risco aumentado de transmissão.[1-2] Mesmo em casais que mantêm uma relação monogâmica de longa data, como no caso descrito, a presença de uma carga viral detectável em um dos parceiros justifica o uso de preservativos como medida preventiva.
O uso consistente e correto de preservativos de látex é eficaz na redução do risco de transmissão de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), incluindo o HTLV-1, conforme evidenciado em diretrizes de prevenção de ISTs.[3] Portanto, mesmo em um relacionamento estável e monogâmico, a adoção de preservativos pode ser uma estratégia prudente para minimizar o risco de transmissão do HTLV-1, especialmente quando um parceiro apresenta carga viral detectável.
Qual é a taxa de transmissão do HTLV-1 em relações sexuais desprotegidas?
A taxa de transmissão do vírus linfotrópico de células T humanas tipo 1 (HTLV-1) durante relações sexuais desprotegidas varia, mas estudos indicam que a transmissão sexual é uma via significativa de disseminação do vírus. De acordo com a literatura médica, a taxa de transmissão sexual do HTLV-1 pode ser influenciada por fatores como a carga proviral e o gênero do parceiro infectado. Um estudo prospectivo relatou uma taxa de incidência de transmissão de HTLV-1 de 0,9 transmissões por 100 pessoas-ano. Outro estudo sugere que a transmissão heterossexual é 2,7 vezes mais alta quando o portador é do sexo masculino. Além disso, a carga proviral elevada está associada a um risco aumentado de transmissão, conforme observado em casais soroconcordantes. Esses dados destacam a importância de considerar medidas preventivas, como o uso de preservativos, para reduzir o risco de transmissão do HTLV-1 em relações sexuais desprotegidas.
O HTLV-1 pode ser transmitido a um parceiro sexual que já tem anticorpos anti-HTLV e que está com o PCR negativo?
A transmissão do HTLV-1 para um parceiro sexual que já possui anticorpos anti-HTLV e um resultado negativo no teste de PCR é improvável, mas não impossível. A presença de anticorpos anti-HTLV indica que o indivíduo já foi exposto ao vírus e desenvolveu uma resposta imunológica. No entanto, um resultado negativo no PCR sugere que não há carga proviral detectável no momento do teste, o que pode indicar uma infecção latente ou uma carga viral muito baixa.
A literatura médica sugere que a carga proviral é um fator importante na transmissão do HTLV-1. Casais soroconcordantes, onde ambos os parceiros são positivos para HTLV-1, tendem a ter cargas provirais mais altas, o que está associado a um risco maior de transmissão. Além disso, a transmissão sexual do HTLV-1 é mais eficiente de homens para mulheres.
Portanto, embora a transmissão para um parceiro com anticorpos anti-HTLV e PCR negativo seja improvável devido à ausência de carga proviral detectável, não pode ser completamente descartada, especialmente se houver mudanças na carga viral ao longo do tempo. Medidas preventivas, como o uso de preservativos, podem ser consideradas para minimizar qualquer risco potencial.
Existe alguma recomendação específica para a prevenção em casais onde um parceiro é portador do HTLV-1?
Para casais em que um dos parceiros está infectado com o vírus linfotrópico de células T humanas tipo 1 (HTLV-1), existem algumas recomendações para prevenir a transmissão do vírus. A transmissão sexual é uma via significativa de disseminação do HTLV-1, e medidas preventivas são essenciais para minimizar o risco.
1. Uso de Preservativos: O uso consistente de preservativos é uma recomendação padrão para reduzir a transmissão sexual de infecções virais, incluindo o HTLV-1. Isso é particularmente importante em casais sorodiscordantes, onde apenas um parceiro é infectado.
2. Terapia Antirretroviral: Embora não haja terapias específicas aprovadas para a prevenção do HTLV-1, estudos sugerem que alguns antirretrovirais usados no tratamento do HIV, como os inibidores da integrase (INSTIs) e alguns inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa (NRTIs), podem inibir a transmissão do HTLV-1 em culturas celulares. Dolutegravir e tenofovir alafenamida são mencionados como potenciais candidatos para ensaios clínicos futuros.
3. Lavagem de Espermatozoides: Em casos de reprodução assistida, técnicas como a lavagem de espermatozoides podem ser aplicadas para reduzir o risco de transmissão do HTLV-1, especialmente quando o parceiro masculino é o portador do vírus.
Essas estratégias são baseadas em evidências limitadas e, portanto, mais pesquisas são necessárias para confirmar sua eficácia em contextos clínicos. Além disso, a implementação de medidas preventivas deve ser adaptada às circunstâncias individuais de cada casal, considerando fatores como a carga proviral e o estado de saúde geral dos parceiros.
Como a carga viral do parceiro infectado deve ser monitorada?
O monitoramento da carga proviral em indivíduos infectados pelo HTLV-1 é crucial para avaliar o risco de progressão da doença. A carga proviral (PVL) é um dos principais determinantes da patogênese e progressão clínica da infecção pelo HTLV-1. Estudos indicam que a quantificação da carga proviral pode ser realizada de forma eficaz utilizando PCR em tempo real multiplex, que permite a detecção e quantificação simultânea da carga proviral do HTLV-1 e de um gene endógeno de controle, como o beta-globina.
Para o monitoramento, recomenda-se a realização de avaliações regulares da carga proviral, especialmente em indivíduos com fatores de risco para doenças associadas ao HTLV-1, como a mielopatia associada ao HTLV-1/paraparesia espástica tropical (HAM/TSP). Pacientes com HAM/TSP tendem a apresentar cargas provirais significativamente mais altas em comparação com indivíduos assintomáticos. Portanto, a frequência das avaliações deve ser ajustada com base no estado clínico do paciente e na presença de sintomas ou complicações associadas.
Além da carga proviral, a monitorização dos níveis de anticorpos pode fornecer informações adicionais sobre a resposta imunológica do paciente à infecção. No entanto, a carga proviral é considerada um marcador mais direto da replicação viral e do risco de progressão da doença.
Em resumo, o monitoramento regular da carga proviral é recomendado para indivíduos infectados pelo HTLV-1, com a frequência das avaliações sendo adaptada de acordo com os fatores de risco individuais e o estado clínico do paciente. A utilização de técnicas de PCR em tempo real multiplex oferece uma ferramenta robusta para esse monitoramento.
Prevenção
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) de Atlanta recomenda que mesmo as pessoas com infecção assintomática não amamentem, não doem sangue, não compartilhem agulhas e utilizem preservativos de látex.
PARTE 2
Possíveis Apresentações Clínicas da Infecção por HTLV-I
Uma número muito pequeno de pessoas com HTLV-1 poderão apresentar sintomas. Para mais informações sobre isso, vide o texto a seguir.
Leucemia de Células T do Adulto (ATL)
Há 5% de risco de pessoas com infecção pelo HTLV-I desenvolverem essa condição ao longo da vida. A doença apresenta-se com sintomas B e linfadenopatia (doença das ínguas). Os sintomas B consistem de febre, sudorese noturna e perda de peso. E os seguintes sintomas estão frequentemente associados: fadiga extrema, mal-estar generalizado, prurido (coceira) generalizado e anorexia (falta de apetite). O envolvimento cutâneo, na forma de placas ou nódulos, é comum.
CLASSIFICAÇÃO DAS FORMAS CLÍNICAS DA ATL
Os achados predominantes ao exame físico e exames laboratoriais, quando do início da doença, são: linfonodomegalia (aumento de ínguas), hepatomegalia (aumento do fígado), esplenomegalia (aumento do baço) e lesões cutâneas. A hipercalcemia (elevação do nível de cálcio no sangue) é frequentemente associada à ATL. Outros achados são: dor abdominal, diarreia, derrame pleural, ascite (água na barriga), tosse, expectoração e anormalidade à radiografia simples do tórax anormal (padrões intersticiais denotando quadros infecciosos). Clinicamente, a ATL é assim classificada:
Forma aguda: é a mais comum e é caracterizada por uma fase leucêmica e agressiva. Frequentemente o paciente apresenta leucometria elevada (aumento da contagem dos glóbulos brancos), linfonodomegalia generalizada, hipercalcemia com ou sem lesões osteolíticas e rash (manchas) cutâneo.
Forma linfomatosa: é caracterizada por linfonodomegalia, mas sem comprometimento do sangue periférico. Muitos pacientes se apresentam com forma avançada, embora com hipercalcemia menos frequente. Lesões cutâneas são comuns e incluem rashes eritematosos, pápulas e nódulos, por vezes com ulceração.
Forma crônica: é frequentemente associada com rash cutâneo esfoliativo. Cursa com linfocitose absoluta por linfócitos T, desidrogenase lática (DHL) aumentada e hipercalcemia ausente.
Forma indolente: o leucograma (contagem de glóbulos brancos no sangue) é normal, com 5% ou mais de linfócitos T anormais no sangue periférico; lesões cutâneas e pulmonares podem estar presentes, mas sem hipercalcemia. Progressão da forma crônica ou indolente para a forma aguda ocorre em 25% dos casos.
Mielopatia Associada ao HTLV-I/Paraparesia Espástica Tropical (HAM/TSP)
Há 0,5-2,0% de risco de pessoas com infecção pelo HTLV-I desenvolverem essa condição ao longo da vida. Consiste de doença progressiva com rigidez nos membros inferiores, fraqueza, dor lombar, disfunção vesical. Pacientes coinfectados HIV—HTLV-I têm contagens de CD4 mais altas que pacientes com Infecção pelo HIV sem HTLV-I. Infecções oportunistas podem ocorrer com contagens de CD4 mais altas que em pacientes HTLV-I-negativos. Pode haver imunossupressão e consequente infestação por Strongyloides e diminuição da reatividade ao teste tuberculínico com PPD ("Purified Protein Derivative" - Derivado Proteico Purificado). É importante ressaltar que a grande maioria dos indivíduos infectados não desenvolverá doença.
Diagnóstico Laboratorial
O diagnóstico laboratorial é feito por ELISA para HTLV-I ou HTLV-II, que tem maior sensibilidade que Western blot e que PCR, sendo exames importantes para a Leucemia de Células T do Adulto (ATL):
Hemograma com contagem diferencial, cuja leucometria varia desde o normal até 500.000/mm3. O exame morfológico das células linfoides muitas vezes é o primeiro sinal para o diagnóstico de ATL. Células com núcleo hiperlobulado (flowers cells) podem ser observadas no sangue periférico dos casos leucemizados.
Mielograma com análise morfológica dos linfócitos.
Imunofenotipagem do sangue periférico, cujo painel mínimo exigido para células T deve incluir CD3, CD4, CD7, CD8 e CD25.
Biópsia com histopatológico e imuno-histoquímica do sítio acometido (medula óssea, linfonodo, pele etc.).
Exame de líquor deve ser considerado nos pacientes com forma agressiva de ATL, com o objetivo de detectar infiltração leucêmica ou infecção oportunista.
Soropositividade para HTLV-1, confirmado por exame de PCR em tempo real ou pelo teste de Western Blot.
Tratamento
O tratamento das manifestações associadas ao HTLV-I requer uma abordagem individualizada, considerando o subtipo da doença.
Leucemia de Células T do Adulto (ATL)
Alguns antirretrovirais usados no tratamento da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) possuem atividade contra o HTLV- 1. Uma meta-análise mundial mostrou que terapia antirretroviral com zidovudina (AZT) associada ao interferona-alfa (INF-alfa) é altamente eficaz na forma leucêmica ATL, com aumento significativo na Ministério da Saúde Secretaria de Vigilância em Saúde sobrevida livre de progressão e sobrevida global, quando comparado ao uso da quimioterapia. Além disso, o uso desta terapia isolada nas formas crônica e indolente da ATL reduz significativamente a taxa de progressão para as formas agressivas e está associada com sobrevida global de 100% em 5 anos. A combinação AZT mais INF-alfa tem sido considerada uma mudança na história natural da doença. A forma linfomatosa da ATL é a única que parece se beneficiar do uso da quimioterapia em combinação ao INF-alfa mais AZT. O tratamento necessita ser contínuo, pelo risco de recaída da doença. As taxas de resposta e sobrevida livre de progressão e global aumentam quando a quimioterapia é administrada de forma concomitante ou sequencial com essa combinação. Desta forma, a evidência atual aponta para o uso da combinação de AZT com INF-alfa como tratamento de primeira linha para todas as formas clínicas da ATL, sendo associada à quimioterapia apenas nas formas linfomatosas.
O HTLV-1 tem sido associado, em estudos epidemiológicos, à infestação por helmintos, com ênfase pelo Strongiloides stercoralis, e susceptibilidade para desenvolver-se estrongiloidíase disseminada. É mandatório, portanto, oferecer tratamento profilático contra nematoides. E também é necessário o tratamento contínuo com sulfametoxazol e trimetoprim, para profilaxia de pneumocistose; de aciclovir, de herpes zoster; e de fluconazol, de micose.
É indicada quimioterapia convencional (regime padrão de vincristina, ciclofosfamida, doxorrubicina, prednisona, ranomustina, vindesina, etoposídeo, carboplatina). Um pequeno estudo prospectivo de fase II mostrou resultados promissores com Zidovudina (AZT) 1 g/dia VO e interferon alfa (9 MU/dia SC). Um anticorpo anti-CCR4 humanizado (mogamulizumabe) demonstrou ser eficaz como monoterapia ou em combinação com quimioterapia.
Em casos agressivos, como os subtipos agudo, linfoma ou crônico desfavorável, a quimioterapia intensiva seguida de transplante alogênico de células-tronco hematopoiéticas é recomendada no Japão. Em outras partes do mundo, a combinação antiviral de interferon alfa (IFN) e zidovudina (AZT) é frequentemente utilizada para os subtipos agudo, crônico e em brasa, enquanto o subtipo linfoma é tratado com quimioterapia, isoladamente ou em combinação com AZT/IFN.
Medicamentos que podem ser utilizados
Zidovudina - A dose inicial da zidovudina utilizada no tratamento da ATL é 900mg/dia, por via oral e dividida em três doses. Após 1 a 2 meses, a dose de AZT pode ser reduzida para 600mg/dia (dividido em duas doses). A zidovudina é adquirida pelo Ministério da Saúde e distribuída às secretarias estaduais de saúde, no âmbito da Assistência Farmacêutica. A dispensação da zidovudina para tratamento de leucemia/linfoma associado ao HTLV-1 requer que o médico assistente preencha o formulário próprio de solicitação a uma Unidade de Dispensação de Medicamentos Antirretrovirais (UDM), que se encontra disponível no sítio eletrônico http://azt.aids.gov.br, na seção "Formulários".
Interferona-alfa - A dose é de 5-6 milhões UI/m2/dia SC, uso contínuo, sendo que geralmente os pacientes não toleram dose total diária acima de 9 milhões UI. A dose máxima diária preconizada pode ser alcançada pela administração escalonada de doses crescentes, de acordo com o grau de tolerância apresentado pelo doente. Após 1 a 2 meses, a dose da INF- alfa pode ser reduzida para 3-5 milhões UI/dia. Nota: O tratamento com AZT e IFN-alfa deve ser mantido até manifestação de toxicidade grau 3 ou 4 ou demonstração de refratariedade. Ministério da Saúde Secretaria de Vigilância em Saúde.
Quimioterapia antineoplásica - Para as formas linfomatosas, o esquema de quimioterapia é o adotado na conduta institucional. Nota: Em decorrência da toxicidade causada pela zidovudina nessa combinação, sugere-se que o uso de AZT mais INF-alfa seja iniciado apenas no segundo ciclo da quimioterapia.
Antiparasitários - Albendazol 400mg por via oral durante 3 dias seguidos associado à Ivermectina 12mg por via oral, no primeiro e oitavo dias.
Anti-infecciosos - Sulfametoxazol (400mg) + trimetoprim (80mg), por via oral, contínuo, na dose de 1 comprimido de 12/12 horas, três vezes por semana; fluconazol (100mg/dia), por via oral, contínuo, na dose de 2 comprimidos de 12/12 horas; e aciclovir (200mg), por via oral, contínuo, na dose de 2 comprimidos de 12/12 horas.
Mielopatia Associada ao HTLV-1 (HAM) e Paraparesia Espástica Tropical/Mielopatia Associada ao HTLV-1 (HAM/TSP)
Para a HAM/TSP, atualmente não há tratamento eficaz estabelecido. No entanto, algumas abordagens têm sido tentadas, incluindo terapia antirretroviral (TARV), interferon alfa, antioxidantes e transplante de medula óssea, com sucesso limitado. O tratamento com corticosteroides pode ser benéfico em casos de mielite aguda, enquanto pacientes com progressão lenta são melhor manejados com terapia sintomática e física. Mas, em termos gerais, corticosteroides, ciclofosfamidas, interferon alfa, imunoglobulinas, plasmaferese e danazol foram utilizados com resultados inconsistentes.
Inibidores da Transcriptase Reversas Nucleosídios (NRTIs) foram tentados com base na atividade in vitro contra HTLV-I. Zidovudina (AZT) 1-2 g/dia ou lamivudina (3TC) 150 mg duas vezes ao dia isoladamente ou AZT (250 mg duas vezes ao dia) e 3TC (150 mg duas vezes ao dia) foram usados em 3 pequenos estudos. Embora tenha sido observada diminuição da carga proviral do HTLV-I, os sintomas não melhoraram na maioria dos pacientes. Tenofovir (TDF) recentemente demonstrou ter boa atividade in vitro contra HTLV-I. Em um pequeno estudo randomizado de pacientes HIV-negativos, 6 meses de Zidovudina (AZT) 300 mg duas vezes ao dia e lamivudina (3TC) (150 mg duas vezes ao dia não tiveram efeito sobre a carga proviral do HTLV ou sintomas clínicos. Se a Terapia Antirretroviral (TARV) for iniciada em pacientes coinfectados, incluir zidovudina (AZT), tenofovir (TDF) e/ou lamivudina (3TC) em pacientes com HAM/TSP ou ATL se possível. A redução da carga proviral (PVL) tem sido considerada uma estratégia potencial para prevenir a progressão da doença. Estudos sugerem que a combinação de inibidores de histona deacetilase (HDACi) com AZT pode diminuir a PVL em primatas não humanos infectados, embora a carga viral tenda a aumentar novamente após a interrupção do tratamento.
Portanto, o manejo das infecções por HTLV-1 e suas manifestações associadas requer uma abordagem individualizada, considerando o subtipo da doença e a resposta ao tratamento.
Prevenção
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) de Atlanta recomenda que mesmo as pessoas com infecção assintomática não amamentem, não doem sangue, não compartilhem agulhas e utilizem preservativos de látex.
Referências
Brasil. Ministério da Saúde. PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS: GUIA DE MANEJO CLÍNICO DA INFECÇÃO PELO HTLV. 2021. Dispocível em URL://https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/publicacoes/2022/guia_htlv_internet_24-11-21-2_3.pdf/view . Acessado em 21 de janeiro de 2025.
Brasil. Ministério da Saúde. PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS: LEUCEMIA MIELOIDE CRÔNICA DO ADULTO. 2021. Disponível em URL:// https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/pcdt/arquivos/2021/leucemia-mieloide-cronica-do-adulto-pcdt.pdf/view . Acessado em 20 de janeiro de 2025.
Brasil. Ministério da Saúde. CONITEC. Protocolo de Uso de Zidovudina para Tratamento do Adulto com Leucemia/Linfoma Associado ao Vírus HTLV-1. 2016. Disponível em URL://http://antigo-conitec.saude.gov.br/images/Protocolos/Relatorio_ProtocoloUso_Zidovudina_2016.pdf . Acessado em 20 de janeiro de 2025.
Brasil. Ministério da Saúde. Prevalência da infecção por HTLV-1/2. Boletim Epidemiológico | Secretaria de Vigilância em Saúde | Ministério da Saúde. Volume 51 | Nº 48 | Dez. 2020. Acessado em 21 de janeiro de 2025.
Demontis MA, Hilburn S, Taylor GP. Human T Cell Lymphotropic Virus Type 1 Viral Load Variability and Long-Term Trends in Asymptomatic Carriers and in Patients With Human T Cell Lymphotropic Virus Type 1-Related Diseases. AIDS Research and Human Retroviruses. 2013;29(2):359-64. doi:10.1089/AID.2012.0132.
Paiva A, Smid J, Haziot MEJ, et al. High Risk of Heterosexual Transmission of Human T-Cell Lymphotropic Virus Type 1 Infection in Brazil. Journal of Medical Virology. 2017;89(7):1287-1294. doi:10.1002/jmv.24745.
Roucoux DF, Wang B, Smith D, et al. A Prospective Study of Sexual Transmission of Human T Lymphotropic Virus (HTLV)-I and HTLV-II. The Journal of Infectious Diseases. 2005;191(9):1490-7. doi:10.1086/429410.
Ji H, Chang L, Yan Y, et al. Genetic Typing and Intrafamilial Transmission of Human T-Lymphotropic Virus Type 1 in Non-Endemic Areas of China. Frontiers in Microbiology. 2023;14:1288990. doi:10.3389/fmicb.2023.1288990.
Kalemera MD, Maher AK, Dominguez-Villar M, Maertens GN. Cell Culture Evaluation Hints Widely Available HIV Drugs Are Primed for Success if Repurposed for HTLV-1 Prevention. Pharmaceuticals (Basel, Switzerland). 2024;17(6):730. doi:10.3390/ph17060730.
Pasquier A, Alais S, Roux L, et al. How to Control HTLV-1-Associated Diseases: Preventing Cellular Infection Using Antiviral Therapy.
Fertility and Sterility. 2013;99(2):340-6. doi:10.1016/j.fertnstert.2012.08.028.
Workowski KA, Bachmann LH, Chan PA, et al. Sexually Transmitted Infections Treatment Guidelines, 2021. MMWR. Recommendations and Reports : Morbidity and Mortality Weekly Report. Recommendations and Reports. 2021;70(4):1-187. doi:10.15585/mmwr.rr7004a1.
Martel M, Gotuzzo E. HTLV-1 Is Also a Sexually Transmitted Infection. Frontiers in Public Health. 2022;10:840295. doi:10.3389/fpubh.2022.840295.
Manns A, Miley WJ, Wilks RJ, et al. Quantitative Proviral DNA and Antibody Levels in the Natural History of HTLV-I Infection. The Journal of Infectious Diseases. 1999;180(5):1487-93. doi:10.1086/315088.
Queiroz MAF, Azevedo VN, Amoras EDSG, et al. +874a/T Polymorphism Among Asymptomatic HTLV-1-Infected Individuals Is Potentially Related to a Worse Prognosis. Frontiers in Microbiology. 2018;9:795. doi:10.3389/fmicb.2018.00795.
Manns A, Miley WJ, Wilks RJ, et al. Quantitative Proviral DNA and Antibody Levels in the Natural History of HTLV-I Infection. The Journal of Infectious Diseases. 1999;180(5):1487-93. doi:10.1086/315088.
Furtado Mdos S, Andrade RG, Romanelli LC, et al. Monitoring the HTLV-1 Proviral Load in the Peripheral Blood of Asymptomatic Carriers and Patients With HTLV-associated Myelopathy/Tropical Spastic Paraparesis From a Brazilian Cohort: ROC Curve Analysis to Establish the Threshold for Risk Disease. Journal of Medical Virology. 2012;84(4):664-71. doi:10.1002/jmv.23227.
Demontis MA, Hilburn S, Taylor GP. Human T Cell Lymphotropic Virus Type 1 Viral Load Variability and Long-Term Trends in Asymptomatic Carriers and in Patients With Human T Cell Lymphotropic Virus Type 1-Related Diseases. AIDS Research and Human Retroviruses. 2013;29(2):359-64. doi:10.1089/AID.2012.0132.
Rodrigues ES, Salustiano S, Santos EV, et al. Monitoring of HTLV-1-associated Diseases by Proviral Load Quantification Using Multiplex Real-Time PCR. Journal of Neurovirology. 2022;28(1):27-34. doi:10.1007/s13365-020-00924-2.
Yamada A, Yasunaga JI, Liang L, et al. Anti-HTLV-1 Immunity Combined With Proviral Load as Predictive Biomarkers for Adult T-Cell Leukemia-Lymphoma. Cancer Science. 2024;115(1):310-320. doi:10.1111/cas.15997.
Pineda MV, Bouzas MB, Remesar M, et al. Relevance of HTLV-1 Proviral Load in Asymptomatic and Symptomatic Patients Living in Endemic and Non-Endemic Areas of Argentina. PloS One. 2019;14(11):e0225596. doi:10.1371/journal.pone.0225596.
Magalhães PMR et al. Vírus Linfotrópicos de células T humanas (HTLV-1 e HTLV-2): revisão de literatura. Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v.4, n.5, p. 20900-20923 sep./oct. 2021. DOI:10.34119/bjhrv4n5-193.
Guidelines for counseling persons infected with human T-lymphotropic virus type I (HTLV-I) and type II (HTLV-II). Centers for Disease Control and Prevention and the U.S.P.H.S. Working Group. Ann Intern Med. 1993;118(6):448-54. [PMID:8382459]Comment: A practical set of guidelines from the CDC.
Joel N. Blankson, M.D., Ph.D. HTLV-I/II. Last updated: December 30, 2019. Johns Hopkins HIV Guide.
Mashkani B, Jalili Nik M, Rezaee SA, Boostani R. Expert Review of Neurotherapeutics. 2023 Jul-Dec;23(12):1233-1248. doi:10.1080/14737175.2023.2272639.
How to Control HTLV-1-Associated Diseases: Preventing Cellular Infection Using Antiviral Therapy. Pasquier A, Alais S, Roux L, et al. Frontiers in Microbiology. 2018;9:278. doi:10.3389/fmicb.2018.00278.
Highly Active Antiretroviral Treatment Against STLV-1 Infection Combining Reverse Transcriptase and HDAC Inhibitors. Afonso PV, Mekaouche M, Mortreux F, et al. Blood. 2010;116(19):3802-8. doi:10.1182/blood-2010-02-270751.
Comments